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INTRODUÇÃO

1. NEW JOURNALISM
1.1 As origens do New Journalism
1.2. Talese, Wolfe e Breslin e o surgimento do New Journalism
1.3. Capote e Mailer reforçam o time
1.4. Definições e Características

2. GONZO JOURNALISM
2.1. Hunter S. Thompson e as origens do Gonzo Journalism
2.2 O que é Gonzo Journalism?

3. GONZO JOURNALISM VS. NEW JOURNALISM
3.1. A Imersão e A Osmose
3.2. A Captação Participativa
3.3. Foco Narrativo
3.4. Sarcasmo e Sobriedade
3.5. Ficção e Não-ficção
3.6. O uso de drogas no Gonzo Journalism
3.7. A fuga do foco principal
3.8. Epígrafes, pseudônimos e ilustrações Gonzo

CONCLUSÃO

OBRAS CONSULTADAS



3. GONZO JOURNALISM
VS. NEW JOURNALISM


3.7. A fuga do foco principal

Quando o repórter opta pelo consumo de drogas como auxiliar na confecção de uma história, invariavelmente também estará enquadrando-se em uma das mais proeminentes características do Gonzo Journalism: a tendência a se desviar do tema central de sua narrativa. Esta é uma discordância fundamental com o New Journalism, onde mesmo que o repórter cobrisse determinado assunto sob o efeito de drogas, deveria manter o foco direcionado ao objeto de sua reportagem.

Apesar disso, uma coisa não está diretamente ligada à outra, o que significa que não é necessário o uso de drogas para que o jornalista afaste-se do foco central de sua narrativa. Como já foi dito anteriormente, o Gonzo Journalism concentra-se muito mais na experiência do que no fato em si. Durante qualquer investigação jornalística, é natural que o repórter depare-se com um sem-número de informações paralelas que, ainda que sejam interessantes dentro da sua lógica, não se relacionam em nada com o assunto central da reportagem. Enquanto no New Journalism esta informação pudesse ser facilmente descartada, no Gonzo ela certamente faria parte da narrativa.

Os praticantes do New Journalism, quando descrevem ambientes ou situações aparentemente sem grande relevância para a história central estão, na verdade, valendo-se deste recurso para aumentar a profundidade de informações que pretendem dispensar ao seu leitor. Isto funciona especialmente bem nos perfis de celebridades. Em Sinatra Has a Cold, perfil publicado na Esquire em 1962, ao descrever todos os passos de Sinatra durante uma noite em uma boate em Beverly Hills, Talese está apenas fornecendo ao leitor informações que irão ajudá-lo a compor uma imagem mais fiel a respeito do cantor, como no trecho:

Frank Sinatra, segurando um copo de bourbon em uma das mãos e um cigarro na outra, está parado em um canto escuro do bar entre duas loiras atraentes embora desbotadas que se sentaram esperando que ele dissesse alguma coisa. Mas ele não disse nada; ele se manteve em silêncio durante a maior parte da noite, exceto agora neste clube privado em Beverly Hills; ele parecia ainda mais distante, olhando através da fumaça na semi-escuridão para um salão atrás do bar onde dúzias de jovens casais acotovelam-se à volta de pequenas mesinhas ou se sacodem no centro da pista ao alarido metálico da música folk-rock que sai do estéreo. As duas loiras sabiam, assim como os quatro amigos de Sinatra que estavam por perto, que era uma má idéia forçar uma conversa quando ele estava neste clima de silêncio taciturno, um ânimo dificilmente incomum durante a primeira semana de Novembro, um mês antes de seu 50º aniversário. (apud Giannetti, 2002, p.16)

Se o tema central da reportagem é Frank Sinatra, poderíamos afirmar precipitadamente que aqui Talese fugiu do foco principal de sua reportagem, uma vez que dedica mais linhas à descrição do ambiente do que ao protagonista de sua história. Por outro lado, podemos entender que a descrição deste ambiente serve para dar ao leitor uma idéia mais fiel dos cenários freqüentados por este protagonista. Também podemos captar algumas características psicológicas deste protagonista através de breves menções às suas reações dentro daquele ambiente, naquela noite em específico, e também através das reações de pessoas próximas diante daquele comportamento.

O mesmo acontece na grande maioria dos perfis de celebridades publicados na época - incluindo o já mencionado perfil de Marlon Brando feito por Capote -, e no artigo de Jimmy Breslin sobre a condenação de Anthony Provenzano, onde a ausência de anéis nos dedos do representante da lei é um detalhe relevante para fazer um contraste com a bela jóia com a qual o criminoso adorna o dedo.

Entre os representantes do Gonzo Journalism há uma tendência natural de se afastar do tema principal da narrativa. Muito dessa característica se deve também ao caráter confessional adotado na redação dos artigos gonzo, onde o foco principal geralmente aponta para o umbigo do próprio repórter. Uma vez que o uso da primeira pessoa permite ao repórter que - literalmente - faça o que quiser, o leitor deve estar preparado para seguir as mudanças de humor no fluxo de consciência que ele apresenta.

Considerado por Tom Wolfe e alguns outros autores representante do gonzo journalism, Therry Southern tem muitas coisas em comum com Hunter Thompson. Admirado profundamente por Norman Mailer, que considerava sua prosa "mortífera", e filho de um dos mais conservadores estados sulista, o Texas, Southern surgiu nos anos 60 escrevendo artigos para a Esquire e a Rolling Stone, sempre caracterizados pelo dedo em riste contra o consumismo desvairado, a repressão política, a hipocrisia da alta burguesia e a crassa vulgaridade da classe média. Southern era amigo dos beats, dos Beatles e dos Rolling Stones, e era conhecido freqüentador da noite, seja de Londres, do Village ou de Hollywood, o que o inseria no circuito de sexo-drogas-e-rock'n'roll.

Em Red Dirt Marijuana and Other Tastes, uma de suas reportagens mais famosas, Southern propõe-se a cobrir uma competição de manuseio de bastão, prática bastante comum entre as cheerleaders, as líderes-de-torcida presentes em praticamente todas as equipes esportivas colegiais norte-americanas. Logo ao chegar em Oxford e antes de iniciar sua investigação, entretanto, Southern desvia-se totalmente do objeto da sua reportagem ao inquerir um taxista sobre onde poderia conseguir uma dose de uísque. Este o leva a uma destilaria caseira onde negros produzem um licor de milho conhecido como relâmpago branco e também nigger-pot.

Southern descreve toda a experiência de conversar com um menino de cerca de nove anos, os diálogos com o taxista e, por fim, as sensações que o gosto da bebida lhe provocaram. Depois desta passagem, Southern finalmente chega ao Dixie National Baton Twirling Institute no campus de Ole Miss e de fato dedica-se a brindar o leitor com uma série de informações sobre o campeonato coletadas com extrema minúcia, mas não só a isso. Sempre que pode, Southern encontra espaço para falar sobre o racismo latente dos estados do sul, como no trecho:

Neste momento, com a melodia John Brown's Body, os dois estudantes graduados em Direito começaram a cantar, quase simultaneamente: "Oh, enterraremos todos os negros no barro do Mississipi...", e ainda que cantassem em voz alta tive a sensação de que estavam falando assim, quero dizer, como se estivessem argumentando simplesmente um ponto de uma conversação determinada, ou talvez estivessem extasiados momentaneamente. (apud Wolfe, 1973, p.104 )

Neste ponto é importante reafirmar que o afastamento do tema central de sua reportagem não é sempre ocasionado pelo uso de drogas. Não há em toda a narrativa de Red Dirt Marijuana and Other Tastes sequer uma menção ao consumo de drogas pelo repórter. Southern utiliza o afastamento do foco principal (a cobertura do campeonato de manuseio de bastão) para falar sobre aspectos específicos da sociedade branca do Mississipi, aplicando a mesma técnica utilizada por Thompson em Fear and Loathing in Las Vegas, já descrita anteriormente neste trabalho.

Sob este aspecto, a fuga do foco central da reportagem no Gonzo Journalism exerce função muito semelhante à técnica da descrição de ambientes e peculiaridades comportamentais usada no New Journalism. O material contido nestes trechos não serve apenas para enriquecer a narrativa como também para engrossar o volume de informações oferecidas ao leitor. No New Journalism, contudo, isto é feito de forma mais direta e sempre relacionada com o tema central da história, enquanto no Gonzo não precisa seguir esta lógica e aparece quase sempre com uma roupagem mais subversiva, de transgressão.

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