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INTRODUÇÃO

1. NEW JOURNALISM
1.1 As origens do New Journalism
1.2. Talese, Wolfe e Breslin e o surgimento do New Journalism
1.3. Capote e Mailer reforçam o time
1.4. Definições e Características

2. GONZO JOURNALISM
2.1. Hunter S. Thompson e as origens do Gonzo Journalism
2.2 O que é Gonzo Journalism?

3. GONZO JOURNALISM VS. NEW JOURNALISM
3.1. A Imersão e A Osmose
3.2. A Captação Participativa
3.3. Foco Narrativo
3.4. Sarcasmo e Sobriedade
3.5. Ficção e Não-ficção
3.6. O uso de drogas no Gonzo Journalism
3.7. A fuga do foco principal
3.8. Epígrafes, pseudônimos e ilustrações Gonzo

CONCLUSÃO

OBRAS CONSULTADAS



3. GONZO JOURNALISM
VS. NEW JOURNALISM


3.3. Foco Narrativo

Conforme visto anteriormente, o processo de osmose utilizado pelo Gonzo Journalism cria uma situação onde a captação é participativa, ou seja, o repórter não se limita a observar os fatos que se desenrolam mas toma parte determinante na ação. Uma captação participativa faz com que a redação seja necessariamente confessional - ainda que de forma indireta, na voz de uma personagem fictícia que represente o repórter, por exemplo. O uso desta técnica de coleta de dados abre espaço para o uso de um narrador em primeira pessoa, diferenciando-se do uso do narrador em terceira pessoa, uma das mais marcantes características do New Journalism.

Apesar disso, a mudança de foco narrativo é uma prática bastante comum no New Journalism, permitindo inclusive o uso da primeira pessoa desde que o próprio repórter se converta em um fator que auxilie na compreensão da história. Na antologia de textos que acompanha a edição espanhola do livro The New Journalism, há um comentário de Tom Wolfe a respeito do uso da primeira pessoa sobre um texto de Rex Reed chamado Duerme Usted Desnuda? (Do You Sleep in the Nude?, no original), de 1968:

Por vezes Reed utiliza a primeira pessoa, porém nunca de forma inoportuna, no sentido de Nick Caraway em O Grande Gatsby, quando, como neste caso, o próprio entrevistador se torna um elemento da história. (1976, p.83)

Wolfe, um dos principais expoentes do New Journalism, é defensor ferrenho do uso da terceira pessoa por acreditar que a maioria dos grandes êxitos literários foram atingidos através do uso deste foco narrativo, no qual "o autor se mantém completamente invisível" (1976, p.65). Um argumento mais forte é o fato do narrador em primeira pessoa criar uma limitação ao repórter, que só pode oferecer ao leitor o ângulo de um personagem - ele próprio -, o que, segundo Wolfe, empobrece a narrativa e irrita o leitor.

Além disso, o uso da terceira pessoa na redação confere ao texto o mesmo efeito de distanciamento obtido com a posição de observador inativo durante a captação de dados, o que nos remete à noção de que o jornalista deve ser um mero interlocutor entre o fato e o público, sem interferir nele através de opiniões ou juízos. Essa foi a saída encontrada pela geração do New Journalism para utilizar técnicas da narrativa de ficção em peças de não-ficção sem comprometer o seu valor jornalístico.

Enquanto no New Journalism o uso da primeira pessoa é um recurso de exceção, usado em raras ocasiões - e sempre muito bem justificadas - no Gonzo Journalism ele aparece como regra. O uso da narrativa em primeira pessoa no Gonzo encontra a sua explicação no fato deste ser um estilo de reportagem mais focado na experiência vivida pelo repórter do que no evento em si, além de ser muito mais simples - e mais verossímil - relatar os fatos através do ponto de vista de quem os viveu em vez de criar uma personagem fictícia com este fim.

Alguns representantes do New Journalism se aventuraram a escrever artigos captando as informações de forma participativa e posteriormente utilizando o foco narrativo em terceira pessoa, como Norman Mailer em Os Exércitos da Noite, de 1968 - esta também uma experiência com características semi-gonzo, confome citado anteriormente. A diferença básica está no papel que Mailer desempenhou na fase de coleta de dados. Sack, Plimpton e até mesmo Thompson tomaram parte em suas empreitadas semi-gonzo identificando-se como repórteres. Mailer, contudo não foi à Marcha sobre o Pentágono de 1967 como jornalista, mas sim como um dos principais representantes do movimento. Apesar disso, na redação do texto optou por utilizar o ponto de vista em terceira pessoa e criar um personagem com o seu nome para protagonizar a história, como se vê no trecho a seguir:

E então um se afastou dele e o outro tratou de prender o braço de Mailer com uma chave, conformando-se com meter-lhe a a mão no sovaco, e caminharam através do campo num passo rápido e raivoso, marchando paralelamente ao muro do Pentágono, por fim plenamente visível a sua direita. (Mailer apud Wolfe, 1976, p.113)

O repórter especial da revista Trip, Arthur Veríssimo, é um dos principais representantes brasileiros do Gonzo Journalism e, portanto, segue este princípio fundamental. Em suas reportagens Veríssimo sempre adota o caráter pessoal que só o foco narrativo na primeira pessoa é capaz de permitir. No artigo Holiday in Cambodia, publicado na edição 69 do ano 12 da Revista Trip, Veríssimo visita um campo militar clandestino no Cambodja e testa alguns tipos de armas utilizadas por aquele exército, como os fuzis M-16 e AK-47 e o lançador de foguetes anti-tanque B-40:

Puta que pariu! Foi o que pensei quando aquele cambojano fantasiado de Soldado Ryan, pedindo desculpas, foi trocar o B-40 que emperrou justo sobre meu ombro. Quando avisei que queria o lança-foguetes, todos do lugar pararam tudo e me seguiram até um campo isolado um pouco mais adiante. É que trata-se do supra-sumo da parada, a atração da casa - sem esquecer, é claro, que cada foguetinho custam cem doletas. (p.105)

Uma outra vantagem que o Gonzo leva em relação ao New Journalism por conta do uso do foco narrativo em primeira pessoa é a negação da imparcialidade jornalística sem comprometer o objetivo inicial de informar alguma coisa a alguém. O principal benefício é o fato da figura do jornalista como senhor da informação sair de cena, dando espaço à figura de uma pessoa que experimenta e divide os resultados da sua experiência. Contrariando as suposições de Wolfe, este personagem-narrador cria vínculos mais facilmente com o leitor por que se apresenta de uma forma mais humana e tangível, em oposição à invisibilidade autoral pregada na escola do New Journalism.

O documentário A Outra Hollywood, do dinamarquês Anders Dalgaard exibido no canal de TV à cabo GNT no dia 15 de fevereiro de 2003 prova dois pontos essenciais desta argumentação. O primeiro deles é o reconhecimento do termo gonzo como identificador de obras que se encaixam nas mesmas características usadas para definir o conceito de gonzo neste trabalho.

Na indústria norte-americana de filmes pornográficos ma categoria peculiar que vem se firmando nas últimas décadas foi batizada com o termo gonzo. Tratam-se de filmes de baixo orçamento (muitos deles feitos em apenas uma noite), com o intuito de mostrar pessoas comuns agindo de forma espontânea, onde o diretor muitas vezes é também o protagonista, ou seja: o personagem principal não é observado por uma câmera, mas observa através dela.

Um dos principais nomes do gênero é Seymore Butts, diretor de mais de 60 filmes gonzo como Tight Squeeze (1999) e Seymore Butts Goes Nuts (1994). Além de ser o diretor e operar a câmera em todos seus filmes registrados em VHS, Butts tornou-se conhecido por aparecer contracenando com a maioria das atrizes. Outro notório cineasta gonzo é John Stagliano, responsável pela série Buttman, onde toda a ação se resume à abordagem de mulheres na rua. Em Buttman's Rio Carnival Hardcore (2002), Stagliano e alguns amigos aproximam-se de mulheres durante bailes de carnaval no Rio de Janeiro e depois as filmam mantendo relações sexuais com eles.

As fotos abaixo fazem a comparação entre o enquadramento típico nos filmes pornô convencionais e o enquadramento da pornografia gonzo. Note que na figura 1A, que representa o enquadramento tradicional dos filmes pornô, a câmera encontra-se em um tripé, o que coloca o espectador dentro da ação apenas como observador. Na figura 1B, extraída do filme Seymore Butts Internet Tushy (2001), entretanto, a câmera está na mão do protagonista, o que dá ao espectador a sensação de estar olhando através dos olhos de quem está fazendo parte da ação, principal trunfo da pornografia gonzo.

fig.1A – Enquadramento tradicionalfig,1B – Enquadramento gonzo

O segundo ponto comprovado pelo documentário é o fato do personagem-narrador ser visto com melhores olhos pelo público em geral do que o narrador invisível. Muitos dos representantes da indústria pornô convencional como o mítico ator Ron Jeremy queixam-se quanto ao caráter predatório da pornografia gonzo, visto que este é atualmente o gênero que arrecada as maiores cifras na indústria do cinema pornográfico norte-americano. Muitas das estrelas que outrora enfrentaram o ofuscamento em suas trajetórias no pornô tradicional revigoraram suas carreiras após estrelarem uma fita gonzo.

A pornografia gonzo já marca espaço até na internet, através do website BangBus*. Na homepage do próprio website há uma descrição do seu conteúdo: "A história original de dois caras, uma câmera de vídeo, um maldito ônibus e uma lição sobre as profundezas da depravação humana..."** BangBus é justamente isto: dois homens viajando em um ônibus pelas estradas dos Estados Unidos fazendo sexo com todas as mulheres a quem oferecem carona.

*http://bangbus2.com

**No original, "The original history of 2 guys, a videocamera, a fuckin' bus and a lesson into the depths of human debauchery..."

Os filmes gonzo alcançaram tamanha popularidade no mercado consumidor de pornografia que hoje em dia já existem categorias específicas em premiações como a AVN Awards, concedida anualmente pela AVN Publications, Inc. Seymore Butts foi o vencedor da categoria gonzo em 1993, com Seymore Butts In Paradise e em 1995 com Pool Party At Seymore's.

No jornalismo televisivo, pelo menos dois repórteres já tiveram seu trabalho classificado como gonzo, principalmente pela postura participativa que adotam para cobrir suas histórias. Louis Theroux, apresentador do programa Weird Weekends, na BBC 2, de Londres, celebrizou-se por ser o personagem principal de suas matérias, sempre carregadas de um senso muito forte de humor. O mesmo acontece com o novaiorquino Michael Moore, da NBC, responsável pelos programas The Awful Truth e TV Nation, do qual Theroux, aliás, era também um dos produtores.

Na imprensa brasileira surgem cada vez mais adeptos do gonzo. Na matéria Puro Rock’n’roll, publicada na Revista Superinteressante, número 8, ano 15 de agosto de 2001, o repórter Dagomir Marquezi se disfarçou de saxofonista do grupo Jota Quest e participou de show em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo. Luiz Cesar Pimentel, repórter da Revista Zero passou uma tarde na casa de uma ex-deusa viva no Nepal para escrever a reportagem É duro ser Deusa, publicada na sua edição de estréia. (Danton, 2002)

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