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INTRODUÇÃO

1. NEW JOURNALISM
1.1 As origens do New Journalism
1.2. Talese, Wolfe e Breslin e o surgimento do New Journalism
1.3. Capote e Mailer reforçam o time
1.4. Definições e Características

2. GONZO JOURNALISM
2.1. Hunter S. Thompson e as origens do Gonzo Journalism
2.2 O que é Gonzo Journalism?

3. GONZO JOURNALISM VS. NEW JOURNALISM
3.1. A Imersão e A Osmose
3.2. A Captação Participativa
3.3. Foco Narrativo
3.4. Sarcasmo e Sobriedade
3.5. Ficção e Não-ficção
3.6. O uso de drogas no Gonzo Journalism
3.7. A fuga do foco principal
3.8. Epígrafes, pseudônimos e ilustrações Gonzo

CONCLUSÃO

OBRAS CONSULTADAS



3. GONZO JOURNALISM VS. NEW JOURNALISM


3.2. A Captação Participativa

As técnicas de captação utilizadas para a confecção da reportagem também vão influenciar na determinação do seu estilo. Enquanto o New Journalism vale-se de uma coleta de dados ampla e metódica, o Gonzo prima pela espontaneidade e urgência. Segundo Hunter Thompson, uma reportagem gonzo deve ser escrita à medida que a ação acontece, sem revisão ou edição. Em entrevista concedida na época da publicação de The Kentucky Derby is Decadent and Depraved, Hunter fala sobre como estava deprimido em uma banheira de um hotel em Nova York por não dispor de tempo suficiente para digitar o artigo rascunhado em um caderno espiral antes do fechamento:

Eu lembro de estar deitado numa banheira no Royalton Hotel, pensando 'Bom, estou acabado, agora. Eu perdi o prazo. Eu não consigo fazer nada. Minha vida profissional está acabada'. Foi aí que eu comecei a arrancar as páginas do caderno. Eu havia descoberto recentemente o fax. Foi como mágica para mim. O artigo sobre o Derby foi para as prensas direto das páginas do meu caderno. (Thompson, 1990, p.120)

Em Fear and Loathing in Las Vegas, o nono capítulo, Breakdown on Paradise Blvd., é a transcrição completa e sem edição de uma das muitas fitas que Thompson enviou à Rolling Stone para verificação, uma vez que o manuscrito original estava tão "fragmentado" (Thompson, 1971, p.161) que era impossível compreendê-lo. O livro, ainda que seja um de seus preferidos, é freqüentemente citado pelo próprio autor como um experimento fracassado em Gonzo Journalism, uma vez que "sua idéia era, a princípio, preencher um caderno grosso com relatos dos fatos conforme eles fossem acontecendo durante sua viagem a Las Vegas e publicar o resultado, suas notas, sem edição" (Giannetti, 2002, p.30).

Esta técnica caótica de captação de dados aparece bem representada graficamente nas duas adaptações para o cinema das obras de Thompson. Em Where The Buffalo Roam (1980), cujo roteiro foi livremente adaptado de diversos artigos publicados na Rolling Stone é possível ver, em diversas cenas, Thompson narrando os eventos ou mesmo emitindo opiniões sobre eles enquanto segura um gravador de bolso próximo à boca.

O mesmo acontece em Fear and Loathing in Las Vegas (1998) onde Thompson interpretado por Johnny Depp aparece freqüentemente portando um grande gravador de rolo colado ao corpo. No livro homônimo, logo no segundo capítulo, Thompson aparece listando três itens essenciais para a sua viagem até Las Vegas, onde cobriria a Mint 400 - um carro, drogas e um gravador. "Conseguir as drogas não foi nenhum problema mas o carro e o gravador não eram coisas fáceis de se achar às 6:30 da tarde de uma sexta-feira em Hollywood." (Thompson, 1971, p.12)

Ainda que seja de fato praticada por Thompson em muitas ocasiões, esta técnica de não-edição não deve ser levada necessariamente ao pé da letra. Em muitas passagens nos filmes supracitados, Thompson aparece datilografando em uma máquina de escrever em hotéis ou em sua casa na Owl Farm, o que nos leva a crer que quando Thompson fala da não-revisão de seus artigos, na verdade está se referindo à espontaneidade que deve fazer parte do Gonzo Journalism, o que remete às técnicas de redação utilizadas por beatniks como Jack Kerouac. Em O Livro dos Sonhos, Kerouac descreve esta técnica logo na introdução:

É bom que o leitor saiba que este livro não passa de uma compilação de sonhos anotados às pressas, à medida que ia despertando - e estão todos descritos da maneira mais espontânea e fluida, tal como sucede durante o sono, por vezes até mesmo antes de me sentir totalmente acordado. (1998, p.3)

A escola do New Journalism, por outro lado, celebrava um maior cuidado e refino na apuração dos fatos e percepção das sutilezas, o que lhes permitiria o uso de sofisticadas técnicas narrativas como o uso de monólogos interiores e a descrição de ambientes com juízo de valores em textos de caráter jornalístico. A aplicação destas técnicas literárias só se justificaria se houvesse uma base sólida de informações que permitissem ao repórter refletir sobre o material coletado e então emitir o seu juízo de forma legitimada. Com o Gonzo Journalism, Thompson simplificou os conceitos e acelerou esse processo.

Um dos principais problemas do New Journalism resolvido em parte pelo Gonzo Journalism é justamente esta velocidade na apuração e redação de matérias, dispensando, inclusive, a etapa da edição. Segundo Wolfe, muitos diretores de redação diziam que o New Journalism não poderia se adaptar à imprensa diária, ficando relegado apenas à temas triviais. O respeitado jornalista britânico Nicholas Tomalin tentou provar o contrário com a sua matéria The General Goes Zapping Charlie Cong, publicada numa edição do The Times, em 1966. Tomalin precisou de apenas um dia para acompanhar o General Hollingsworth em sua Missão Extermínio e escrever o artigo, que causou grande impacto na época de sua publicação.

No prefácio de The Dogs Bark: Public People And Private Places, de 1973, Truman Capote fala sobre os seus métodos de captação na entrevista de celebridades:

Depois de escolher Brando como o espécime da experiência, passei em revista o meu equipamento (cujo principal ingrediente é o talento para registrar mentalmente longas conversações... pois estou firmemente convencido de que o ato de tomar anotações - para não falar do uso de um gravador de fita - cria um clima artificial, e distorce, ou mesmo destrói, qualquer naturalidade que possa existir entre o observador e o observado, entre o nervoso beija-flor e o seu pretenso captor). (apud Instituto Gutenberg, 1998)

A entrevista, aliás, é o instrumento mais poderoso do New Journalism - uma vez que ele é focado mais no fator humano do que no fato noticioso em si. É somente através dela que o repórter toma conhecimento dos mais íntimos detalhes físicos e psicológicos que vão ajudar a construir os seus personagens. O Gonzo Journalism abre mão da entrevista como instrumento de pesquisa principalmente por focar sua atenção em um personagem-narrador que é o próprio repórter, o protagonista da ação. Aqui chegamos a mais um ponto de divergência entre o gonzo e o New Journalism: o foco narrativo.

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