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INTRODUÇÃO

1. NEW JOURNALISM
1.1 As origens do New Journalism
1.2. Talese, Wolfe e Breslin e o surgimento do New Journalism
1.3. Capote e Mailer reforçam o time
1.4. Definições e Características

2. GONZO JOURNALISM
2.1. Hunter S. Thompson e as origens do Gonzo Journalism
2.2 O que é Gonzo Journalism?

3. GONZO JOURNALISM VS. NEW JOURNALISM
3.1. A Imersão e A Osmose
3.2. A Captação Participativa
3.3. Foco Narrativo
3.4. Sarcasmo e Sobriedade
3.5. Ficção e Não-ficção
3.6. O uso de drogas no Gonzo Journalism
3.7. A fuga do foco principal
3.8. Epígrafes, pseudônimos e ilustrações Gonzo

CONCLUSÃO

OBRAS CONSULTADAS



3. GONZO JOURNALISM
VS. NEW JOURNALISM


3.1. A Imersão e A Osmose

Uma vez que já traçamos as origens dos dois gêneros e os conceituamos, é hora de demonstrar que o Gonzo Journalism é um gênero que, apesar de ter se originado a partir do movimento do New Journalism, apresenta características singulares e, portanto, deve ser considerado de forma diferenciada. Para comprovar esta afirmação, apontaremos as principais semelhanças e, principalmente, diferenças entre os dois gêneros através da comparação de trechos de artigos e do confronto entre seus postulados, incluindo exemplos da nova geração de Gonzo jornalistas.

Neste ponto é importante reforçar que, ainda que possua algumas características que viriam a influenciar o desenvolvimento do Gonzo Journalism, o primeiro livro de Thompson, Hell's Angels: The Strange and Terrible Saga of the California Motorcycle Gang, ainda está inserido sob a égide do New Journalism, como já foi citado anteriormente neste trabalho. Este fato possivelmente seja um dos principais culpados pela equívoca classificação de Thompson como representante do New Journalism, ainda que o próprio Tom Wolfe observe no clássico The New Journalism, que, ao lado de George Plimpton e John Sack, este é um tipo diferente de jornalista.

A grande diferença apontada por Wolfe é o fato dos jornalistas surgidos nesta leva, por volta de 1966, estarem aplicando técnicas ainda mais ousadas de captação de dados para contar sua história. Enquanto outros autores optavam por serem meras testemunhas da ação, Plimpton, Sack e Thompson preferiam participar dela, de modo a serem capazes de entenderem mais a fundo o assunto sobre o qual pretendiam escrever, além de proporcionar ao leitor uma maior proximidade com a experiência em si.

Nenhum destes artigos, contudo, pode ser chamado de Gonzo Journalism por não possuirem um conjunto mínimo de características que o identifiquem como tal. Entretanto, esta safra de novos autores compõe um momento de transição responsável por formar as bases necessárias para o desenvolvimento do Gonzo Journalism, especialmente no tocante às técnicas de imersão extrema. Chamaremos estes autores e a sua produção de semi-gonzo.

George Plimpton queria escrever sobre o Detroit Lions, uma equipe de futebol americano, em seu livro Paper Lion. Para escrevê-lo, Plimpton julgou ser insuficiente apenas acompanhar os treinamentos ou entrevistar os jogadores, e decidiu por uma forma de imersão extrema no assunto. Durante os preparativos para a temporada de 1966 da National Football League, Plimpton conviveu com os jogadores, exercitou-se com eles e chegou mesmo a disputar uma partida da pré-temporada. O livro de Plimpton obteve sucesso semelhante ao de A Sangue Frio, sendo lido por gente de todas as classes e considerado "o trabalho sobre esportes de maior impacto literário desde os relatos de Ring Lardner*" (Wolfe, 1976, p.44)

*Ring Lardner (1885-1933) foi um dos mais destacados autores norte-americanos da década de 20 do século XX, tendo se celebrizado com os seu trabalho referente ao baseball - tanto ficcional quanto jornalístico. Seus textos em primeira pessoa, carregados de gírias e experimentalismos desfrutavam de uma rara combinação de aprovação popular e da crítica.

John Sack foi mais além, ao convencer o exército norte-americano a deixá-lo incorporar-se a uma companhia de infantaria no Fort Dix, participar junto aos soldados de todos os treinamentos militares para depois ser enviado ao Vietnam, para a primeira linha de combate. Todos estes esforços, Sack acreditava, serviriam para dar maior profundidade a M, um extenso artigo sobre a guerra publicado primeiro em uma edição da Esquire e posteriormente transformado em livro.

Thompson conviveu com a gangue de motoqueiros Hell's Angels por dezoito meses, participando de todas as suas atividades ilegais, consumindo drogas e álcool em quantidades absurdas e inclusive tendo sido vítima de algumas surras. A pior delas aconteceu no Dia do Trabalho em 1966, quando ele "abusou da sorte um pouco mais do que devia" (Thompson, 1966, p.346) e foi severamente pisoteado por quatro ou cinco Angels "que pareciam acreditar que estava tirando vantagem deles" (Thompson, 1966, p.346).

Se no New Journalism a técnica de acompanhar a fonte por semanas ou mesmo meses a fio recebia o nome de imersão, no Gonzo Journalism o termo demonstra-se insuficiente posto que a imersão neste gênero implica um envolvimento muito mais pronunciado do repórter com o objeto do seu trabalho. Esta afirmação, contudo, não significa que um artigo gonzo exija mais tempo de investigação do que um encaixado nos padrões do New Journalism mas sim que necessite de uma proximidade maior entre o investigador e o que é investigado, a ponto dos dois se mesclarem e se confundirem.

Na falta de termo melhor, denominaremos a técnica de osmose, referenciando o fenômeno biológico no qual dois fluidos misturam-se gradualmente através de uma membrana porosa. Fazendo uma comparação, o primeiro fluido é o Gonzo Jornalista e o segundo, o objeto de sua investigação. A membrana porosa é o ato da reportagem em si, pois é através dela que os dois mundos interferem um no outro. Dessa forma é correto dizer que o repórter gonzo altera o objeto de sua reportagem da mesma forma que o objeto altera o próprio repórter. É quase como se o jornalista precisasse personificar o objeto de sua reportagem, o que remete ao preceito da "coragem de um ator" necessário para o bom Gonzo Jornalista, segundo Thompson.

Não se pode negar que a presença participativa de Sack entre os soldados da Companhia M interferiu na rotina de todos aqueles homens, assim como Plimpton fez com os jogadores do Detroit Lions e Thompson com os Angels. Da mesma forma, Sack precisou, de uma forma ou de outra, portar-se como um soldado, assim como Plimpton foi, de fato, um jogador de futebol americano durante o período em que conviveu com eles.

No livro Fear and Loathing in Las Vegas, Thompson dá um bom exemplo da aplicação desta técnica ao converter-se em um verdadeiro camaleão que muda de forma conforme a exigência do ambiente: ele mistura-se aos jogadores inveterados dos cassinos de Las Vegas com a mesma desenvoltura que penetra em uma convenção de policiais sobre narcóticos, sempre no intuito de explorar todas as possibilidades do Sonho Americano (já definido no capítulo I deste trabalho).

O livro trata, na realidade, dos anseios de uma geração que viu os sonhos do movimento hippie fracassarem e que desde então procura desesperadamente um substituto à altura para uma das mais perfeitas concretizações do Sonho Americano. Isso fica mais claro nas palavras do próprio Thompson:

Mas a nossa viagem era diferente. Era uma afirmação clássica de tudo que é certo, verdadeiro e decente na identidade nacional. Era uma intensa saudação física às fantásticas possibilidades de vida neste país - mas somente para aqueles com verdadeira coragem. E isso nós tínhamos de sobra." (1971, p.18)

Thompson está tão determinado a traduzir em palavras os sentimentos desta geração que se propõe a entender os motivos desta sensação de vazio, preenchida muitas vezes pelo consumo exagerado de drogas e o comportamento extremado. Esta é também uma tentativa de recuperar a liberdade outrora concedida pelo movimento hippie.

Além disso, a experiência adquirida na manufatura destas reportagens - seja sob a forma de treinamento militar, esportivo ou criminoso - aumenta a bagagem de informações e vivências do repórter de uma forma muito mais intensa que as técnicas tradicionais - mesmo a imersão - poderiam lhe proporcionar. Uma vez que coleta mais informações, e de uma maneira mais profunda, pode-se supor que as reportagens gonzo sejam muito mais fiéis à realidade.

Dentro de uma estrutura mais formal de investigação isso jamais aconteceria, uma vez que o repórter desempenharia o clássico papel de mediador da informação, pretensamente isento de qualquer envolvimento com a ação que descreve - mais uma das muitas representações do mito da objetividade jornalística.

Ainda que tenha se tornado próximo o suficiente de Marlon Brando para ser tomado por amigo durante a investigação para escrever seu perfil publicado em 1956 na revista The New Yorker, Truman Capote não pensou em tomar aulas de interpretação ou fazer uma pequena participação em um filme do ator. Quando escreveu sobre o submundo da máfia em Honor Thy Father, de 1971, Gay Talese poderia ter optado por fazer tentativas de entrar no sindicato do crime comandado por Joseph Bonanno mas preferiu adotar uma postura menos invasiva. Norman Mailer, por fim, freqüentou o mundo do boxe como mero observador durante 1974 para escrever A Luta, livro no qual descreve com maestria o histórico confronto entre George Foreman e Muhamad Ali no Zaire, assim como os dias que antecederam o combate.

Em todos os exemplos acima seria possível afirmar que tanto repórter quanto objeto de reportagem recebem e fornecem informações em quantidades e qualidades semelhantes, o que naturalmente influencia e modifica ambos de forma bastante pronunciada. Contudo, ainda há um fator que coloca os partidários do New Journalism em desvantagem perante os repórteres gonzo neste aspecto: o seu ponto de vista. A postura de observador verificada na grande maioria do New Journalism confere ao repórter um caráter de distanciamento muito maior do que a postura de agente, sempre presente no Gonzo Journalism. No New Journalism, por mais extensa que seja a pesquisa, esta distância impede que o repórter confunda-se com o objeto de sua reportagem, uma vez que os papéis estão bem definidos. Graças à aplicação da osmose, o mesmo não acontece no Gonzo Journalism.

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